Oeste –
Paraná.
É necessário iniciar limpando o terreno. Por esquerda revolucionária
entendemos aquelas organizações e seus militantes que lutam pelo socialismo,
que defendem a revolução, o fim da propriedade privada e do assalariamento, que
não aceitam o “mal menor”, e que não capitulam ao neoreformismo e a conciliação
de classes. Por academicista, os intelectuais que acreditam que suas pesquisas,
livros e artigos mudarão o mundo, ou mesmo que suas aulas são o caminho para a
verdade libertadora. Referimos-nos especificamente aos intelectuais que se auto
intitulam “marxistas”. Que acreditam que a sua sala de aula é o partido e que
suas intervenções são o programa revolucionário in natura. Não queremos com
esta definição negar a produção acadêmica, reconhecemos a sua importância na
luta de classes! Todavia desejamos chamar atenção para os limites desse
personagem histórico. Por partidário nos referimos ao partido centralizado
democraticamente, que tenha por método o centralismo democrático. Evidentemente
não entra aqui o autonomismo, o coletivismo e o pluralismo metodológico.
Esperamos com isso ter limpado boa parte do terreno.
Constantemente observamos o debate sobre a necessidade da esquerda se
reinventar, como se esse vasto campo do que se constitui como esquerda fosse um
produto de alguma marca, no caso aqui a marca academicista. Essa necessidade de
constantemente reinventar o novo é uma forma retalhada e nada criativa de se
colocar o velho com novos adereços plásticos.
O reformismo no século XIX já colocava a necessidade de se “reinventar”
diante da situação e no caso se tratava de fraudar a perspectiva marxiana em
nome do partido alemão em hegemônico campo de capitulação à estratégia revolucionária.
Contra isso se levantou a fundação da III Internacional e manteve-se quando da
fundação da IV Internacional com León Trotsky.
Muitos militantes capitulam ao movimentismo, chegando até mesmo a negarem
o partido como ferramenta política fundamental para a organização da classe.
Muitos até mesmo afirmando a superação desta ferramenta, diante de uma suposta
obsolescência do centralismo democrático para os dias de hoje. Não concordamos
com nada disso e defendemos que tais considerações é a verdadeira ruptura com a
construção do processo revolucionário em nosso tempo presente.
Se a forma de resistência organizada em partido está realmente superada,
há algo de míope em parte destas perspectivas de organização autonomistas,
principalmente por parte dos marxólogos.
Defendemos a tese de que, não, os partidos não estão superados, bem
longe disso, continuam sendo até mesmo uma das formas fenomênicas de dominação
das classes em pleno exercício do mando naturalizador das coisas. A burguesia a
exemplo do que falamos, não abre mão do Estado e seus partidos há séculos. Não
se trata também de postular a defesa da superação desse estado de coisas apenas
via partido, apenas via eleitoral, apenas via o formalismo do Estado! Trata-se
aqui de postular um tipo de organização (atenção ao artigo indefinido)
altamente eficiente na luta cotidiana da classe trabalhadora e não de um salto
revolucionário via Estado como forma suprema da superação! Isso já “bem” fizera
a social-democracia alemã e hoje os marxólogos autonomistas, em maioria
neoreformistas! Então, de que partido falamos?
Pensamos que a caracterização do partido ideal aqui não ajudaria muito
na tarefa de apresentar algumas palavras sobre a questão da organização
política dos trabalhadores. Mas, princípios elementares são inevitáveis, mesmo
não existindo nenhuma fórmula mágica como postulam muitos sectários ao lado dos
marxólogos neoreformista.
Há que se considerar a “forma” partido como um instrumento de luta da
classe trabalhadora durante mais de um século. É verdade que esta forma é
plural e metodologicamente diversa. Então, mais uma vez, de que partido
falamos? Referimos-nos ao partido concreto, real, socialmente existente (o que
demanda pensarmos outra série de desafios). Não nos referimos aqui a um partido
único de figuras seletas e altamente esclarecidas do caminho a seguirem, isso o
judaísmo/cristianismo já se encarregou de fazer há milênios! Mas tampouco a um
partido que tenha medo de se colocar diante da classe com perspectiva
revolucionaria e que prefira capitular ao neo reformismo, mantendo-se em sua
zona de conforto de classe média. Não.
Em nosso tempo presente pode-se observar com facilidade um conjunto de
intelectuais acadêmicos que reprovam a luta de parte de seus alunos, até mesmo
considerando inexistente a greve de estudantes e promovendo a cafetinagem
acadêmica. Esse conjunto também nos oferece um espetáculo de paradoxos que até
mesmo um físico seria incapaz de cogitar.
São estes mesmos intelectuais que preferem falar por si mesmos,
ignorando, muitas vezes, as próprias organizações que fazem parte, tudo em nome
do individualismo. Um comportamento que deixaria até mesmo John Locke orgulhoso.
Entretanto, a anomalia deste buraco de minhoca não para por aqui, pois é
necessária lembrar que esse intelectual academicista se apresenta como marxista
para suas ovelhas e demais interlocutores. Nada mais radicalmente distante da
tradição revolucionária, pois se afastam da classe, restando uma mera
representação do que seria a classe operária. A anomalia se transforma em uma
espécie de novo Dorian Gray, incapaz de ver para além de si mesmo e seus
seguidores de redes sociais.
É necessário continuar a reafirmar o partido revolucionário, sim, é
preciso reafirmar a construção do partido revolucionário, não a sua reinvenção.
É preciso combater a falácia da classe média esclarecida de que a esquerda
precisa se reinventar, pois essa tal reinvenção é a mísera adaptação à ordem
formal, bem aos moldes daquilo que mais se preocupam os academicista:
relatórios, o currículo e status quo diante da sua torre de marfim. A questão é
que existe vida para além do currículo lattes, para além dos relatórios, para
além das citações idealistas deste pseudo marxismo.
Distante de tudo isso, Marx pensava o partido como o próprio movimento
da classe trabalhadora, um partido internacional, com varias seções nos mais
diversos países. A estrutura de partido que conhecemos hoje se distancia
daquela que Marx e Engels vivenciavam, para eles o partido era a própria
Internacional, o próprio movimento dos trabalhadores em luta organizada de
resistência ao capital.
Lênin, diante do seu tempo vivenciara outra forma de manifestação do
partido. Há no tempo presente de Lenin a existência de um conjunto de partidos
que se reivindicam representar a classe trabalhadora; há uma diversidade que
não era marcante na segunda metade do século XIX. Há uma organização sindical
que Marx jamais pode observar. Está posto para Lenin o desafio de polemizar com
a burocracia sindical de seu tempo, e, a forma partido, centralizado pela base
é o que se coloca para este momento histórico (e aqui guardando sintonia com o
partido organizado por trabalhadores nos meados da segunda metade do século
XIX).
E é justamente neste ponto que os neoreformistas academicistas sapateiam, fazem birra, e escrevem textões!
Não conseguem entender o centralismo democrático, pois estão presos à cela da
sua visão de mundo republicana e democrático-burguesa. Quando contraditos pela
maioria de uma organização partidária apelam para o ataque retórico do
autoritarismo... acusando os centralistas democráticos de centralizadores
autoritários. Normalmente este comportamento é a pura expressão de seu
oportunismo de classe média intelectualizada que a se ver contrariada, passa a
se utilizar de todos os recursos, até mesmo imorais, para fazer valer a sua
proposta em clara derrota diante da maioria da organização. Vale tudo, de
envenenar os seus seguidores a chorar em plenárias! Um absurdo vergonhoso.
Trotsky, por volta de 1928, já problematizava a organização partidária
alertando sobre a necessidade de encarar os desafios construídos
historicamente:
[…] de um
partido proletário vivo, e ativo, através de comunistas avançados, pioneiros e
construtores de socialismo […] o partido deve ser capaz de sentir isso através
de seus inúmeros tentáculos e soar o alarme. Mas para tudo isso, o partido por
inteiro deve ser sensível e flexível e acima de tudo não deve ter medo de ver,
entender e falar (Trotsky, 2010, p. 78).
Escrevemos sobre a necessidade de uma organização unificada com
lutadores e lutadoras preocupados em avançar na luta e na organização diante do
capital. Uma organização real, composta pelos mais diversos setores em luta e
que não estão dispostos a rebaixar seus princípios em nome do “mal menor”. Um
partido que seja capaz de congregar a diversidade da classe diante do debate democrático
(que jamais será harmônico e linear), que seja capaz de errar e buscar a
superação dos erros. Uma organização que dialogue de forma firme com os
movimentos sociais e todos os setores também organizados sob outras formas.
Veja, este partido tem que considerar o plano real, pois do contrário
reproduziria as formas utópicas, ainda longe de serem superadas na história da
luta de classes e tão defendida pelo
neoreformismo.
Não dialogar com os mais diversos setores de trabalhadores em luta
significa assinar a sua própria carta de marginalização. Há que se considerar
que não é uma legenda que guiará a classe, mas a classe que guiará e congregará
as diversas legendas. Então se trata de alianças? Sim. Mas não do tipo de
alianças que a democracia capitalista propõe, não o rebaixamento que o
academicista neoreformista propõe.
Não se trata de unidade que postule a conciliação de classes. Não se
trata de unidade com o oponente, mas de unidade entre os lutadores que só podem
ser identificados no processo de luta, não apenas pelo que postulam formalmente
em seus documentos e discursos oportunistas. Escrevemos de um partido em
permanente construção, inacabado por excelência, mas não desorganizado,
esparramado ao deleite do neoreformismo ! Não exemplificarei aqui, pois não há
formulas prontas à serem aplicadas em determinados momentos históricos, mas há
momentos históricos que nos exigem conteúdo, substância para forjamos constantemente
esta organização e certamente vivemos em um momento destes! Cabe aqui a
reafirmação do partido revolucionário, não a sua reinvenção!
Certamente há experiências históricas, mas são experiências históricas,
não modelos a serem aplicados ao bel prazer do idealismo romântico. Marx ao
apresentar o programa do partido internacional dos trabalhadores no século XIX,
se referia à historicidade dos desafios de organização, distanciando-se de
receituários pré-formulados: “A história de toda sociedade
até nossos dias moveu-se em antagonismos de classes, antagonismos que se tem
revestido de formas diferentes nas diferentes épocas” (Marx &
Engels, 2005, p. 57).
O leitor deve ter notado a esta altura que escrevemos de algo que
apresenta elevado grau de complexidade, e isso não deve ser confundido com alto
grau de utopismo. Referimos-nos a uma necessidade imperiosa daqueles que vivem
da venda da força de trabalho todos os dias; de LGBT, que ao
nascerem até morrerem deverão produzir e reproduzir riqueza para terceiros se
realizarem e não a si mesmos! Escrevemos de algo concreto, factível e de uma
necessidade, mais uma vez: imperiosa para realmente vivenciarmos a história e
não a pré-história da humanidade onde a regência da vida é deliberada pelo
capital em detrimento do homem. Capitular ao neoreformismo academicista é
retroagir, é trair a classe que se diz defender.
E, se a esta altura, a forma do texto tiver provocado certo mal estar em
nossos interlocutores, devemos advertir que esta forma fica por aqui, embora
não exista uma só linha que não esteja ligada ao nosso próprio tempo presente,
é verdade, distante de Marx por mais de um século, mas impossível de ser
ignorado. Estas palavras, aqui, possuem a pretensão de dialogar criticamente
com aqueles que ainda deitam suavemente em suas camas quentes ignorando o
inverno constante que estão submetidos os trabalhadores que tudo produzem! É
necessário reafirmar o partido revolucionário e colocar a classe em movimento,
não reinventar falaciosamente, mas reafirmar o programa revolucionário, já!
Referências:
TROTSKY,
Leon. Stálin, o grande organizador de derrotas: a III Internacional depois de
Lenin. São Paulo: Editora Instituto José Luis e Rosa Sundermann, 2010.
MARX, Karl
& ENGELS, Friedrich. Manifesto Comunista. Trad. Álvaro Pinha. 4
reimpressão. São Paulo: Boitempo Editorial, 2005.