quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

O falso anti-imperialismo do regime Assad e o mantra genocida do estalinismo



Gisele Sifroni[1]



Dos céus da Síria caças russos cospem fogo sobre cidades inteiras; por terra, mulheres são alcançadas por balas letais iranianas que se alojam em suas costas ou por mercenários-estupradores que se alojam em seus corpos e espíritos; sob os escombros, os gemidos das crianças tornam-se pedidos universais de socorro. O som da guerra contra o povo sírio só não é mais ensurdecedor do que o silêncio gritante dos países imperialistas e da maioria da esquerda mundial, convertida em tropa de choque ideológica de Bashar al-Assad.

Sob o pretexto de que a atual guerra na Síria teria sido travada exclusivamente por setores pró-EUA que conspiram contra Assad, as diversas vertentes da esquerda reformista mundial (estalinismo, castro-chavismo, neorreformismo, etc.), justificam toda e qualquer atrocidade que o regime de Assad pratica contra o povo sírio. Mas seria realmente o regime assadista de fato anti-imperialista?

 Apoiador do imperialismo no passado e apoiado pelo imperialismo no presente

O argumento de que a ditadura de Assad é um dos últimos bastiões anti-imperialista no Oriente Médio não pode se sustentar frente uma análise séria da história geopolítica da região nos últimos trinta anos.

Durante a Guerra do Golfo (1990-1991) sob o comando dos EUA, o regime Assad participou ativamente com cinco mil soldados da chamada Operação Tempestade no Deserto, responsável por mais de 100 mil bombardeios aéreos contra o Iraque e pela invasão por terra naquele país.  

As aproximações entre a ditadura Síria e o imperialismo-sionismo seguiram no final do século XX. Em 1999, Hafez al-Assad, pai de Bashar al Assad, buscou com o apoio dos EUA um acordo de paz com Israel, no qual o único ponto era a devolução da Colina de Golã usurpada da Síria pelo país sionista, ignorando totalmente que o reconhecimento do Estado de Israel é a autorização para a existência desse enclave imperialista construído sobre o genocídio palestino. Não por acaso, a morte de Hafez al-Assad fora com essas palavras lamentada por Clinton: "Sempre o respeitei por sua franqueza e porque senti que ele fez uma escolha estratégica em busca da paz. É uma pena que a paz não tenha sido atingida enquanto ele viveu, mas espero que isso aconteça". [2]

Os acontecimentos históricos citados são mais do que suficientes para demonstrar o quão falaciosa é a égide do discurso estalinista e castro-chavista que tenta proteger o regime Assad o atribuindo um suposto caráter anti-imperialista. Todavia, é necessário explicitar em tempo presente a aliança implícita do regime ditatorial sírio com o imperialismo.

No início do levante popular sírio, a máscara anti-imperialista e anti-sionista do regime de Bashar al-Assad, posta pelo estalinismo de todos os gostos e idiomas, fora arrancada pelos bombardeios e pela fome que o regime burguês ditatorial promoveu contra o campo de refugiados palestino, em Yarmouk. E no desenrolar da atual guerra na Síria, os diversos campos de confronto se interligaram entre si, desmascarando ainda mais a farsa anti-imperialista que protege o regime assadista.  

Rússia e Irã entraram na guerra em apoio aberto ao regime Assad e não como parte da defesa do povo sírio contra as intervenções estadunidenses e europeias, mas como forças que buscam manter suas zonas de influências no Oriente Médio, quando possível em parceria com o próprio imperialismo, tal como mostra a efetiva aproximação entre Donald Trump e Vladimir Putin, aproximação essa sacramentada agora pela nomeação de Rex Tillerson, presidente da Exxon Mobil e aliado de Moscou, para Secretário de Estado norte-americano.

Por outro lado, a retórica anti-Assad dos países imperialistas não se mantém concretamente. Na verdade, o apoio imperialista à ditadura assadista ocorre de modo passivo, no qual EUA e França observam e permitem o massacre promovido pela Rússia e pelos mercenários iranianos contra os rebeldes sírios, ao passo que os governos de Washington e Paris também assumem a generalização de que todos os opositores do regime ditatorial sírio seriam terroristas ligados ao Estado Islâmico (EL) e assim bombardeiam com a autorização de Assad as regiões dominadas pela população síria opositora ao regime, enquanto os grandes grupos petrolíferos estadunidenses e europeus seguem adquirindo no mercado negro, petróleo controlado pelo EL, fortalecendo esse grupo terrorista, cuja origem tem o DNA da própria inteligência militar yankee.

Dessa maneira, a única oposição real e séria ao regime de Assad e ao Estado Islâmico é formada pelos rebeldes sírios, a partir da organização popular em frentes militares depois da repressão que o regime assadista perpetrou contra as manifestações civis que ocorreram em 2011, como parte da Primavera Árabe que sacudiu o Norte da África e parte do Oriente Médio.

Apesar de todos esses fatos, a Revolução Síria não tem a solidariedade da maioria da esquerda mundial, de tal maneira que Assad se mantém não apenas pela a passividade imperialista frente ao massacre do povo sírio diante das armas financiadas pelo capital russo e iraniano, mas conta também com o arsenal ideológico estalinista que sintetiza o pensamento de uma parte da esquerda que há muito tempo trocou a autonomia dos povos e a defesa da ditadura do proletariado pela defesa de ditaduras sanguinárias burguesas travestidas de campos progressistas, tal como a ditadura de Bashar al-Assad.



[1] Mestre em Integração da América Latina pela - Universidade de São Paulo (USP) e ativista em defesa do Povo Palestino

sábado, 10 de setembro de 2016

11 de setembro - Victor Jara, presente !

Gisele Costa[1]

Somos cinco mil aqui nesta pequena parte da cidade. Somos cinco mil. Quantos somos no total nas cidades e em todo país? Só aqui, dez mil mãos que plantam e que fazem andar as fábricas. Quanta humanidade com fome, frio, pânico, dor pressão moral, terror e loucura (...) ! Que horror produz o rosto do fascismo! Levaram a cabo seus planos com astuta precisão, sem se importar com nada. O sangue para eles são medalhas. A matança, um ato de heroísmo. Esse é o mundo que você criou, meu Deus? Para isso teus sete dias de maravilha e trabalho? (...) O sangue do companheiro Presidente golpeia mais forte que as bombas e as metralhadoras, assim golpeará nosso punho novamente. Canto mal, quando tenho que cantar o terror. Terror com que vivo, com que morro. Terror de ver-me entre tantos e tantos momentos de infinito silêncio e do grito como meta desse canto. O que vejo, eu nunca vi. O que eu senti e sinto é que eles farão brotar o momento...”



Chile - Setembro de 1973- Há 42 anos, essas foram as últimas palavras de uma das maiores e mais doces vozes da música chilena e latino-americana. Essas foram as últimas palavras de Víctor Jara.

Talvez seja possível que na história singular de um homem esteja a história de um período histórico, as histórias de muitos homens e mulheres, seus conflitos, seus sonhos, suas glórias e lutas inglórias. É essa a condição da história de Víctor Jara na história recente do Chile e na história da América Latina.

Descendente de mapuche e brancos, Victor Jara expressava em seu rosto, as muitas feridas abertas do Chile e do subcontinente, mas com uma capacidade intelectual e uma sensibilidade ímpar, Jara fez da dor a fonte de sua poesia e da poesia fez a arma de sua crítica, sua voz entoou o esperar/o desesperar/o superar de uma América Latina de veias mestiças, pobre, campesina e obreira, mas esperançosa de si mesmo e de sua própria revolução socialista.

Expoente do movimento Nueva Canción Chilena, Víctor Jara resgatou por meio do teatro e da música, as submersas raízes indígenas e camponesas. Ao mesmo tempo se colocou como um contraponto à indústria cultural que adentrava na América Latina, por meio do rock estadunidense e inglês. Envolvido pelo contexto da Revolução Cubana, pelo sentimento anti-imperialista que tomava o subcontinente e pelo avanço da luta de classes no Chile, Jara deu voz às vozes silenciadas no chamado Terceiro Mundo, tal demonstra seu disco Derecho de Vivir en Paz, o qual dedicou ao povo vietnamita. Entretanto, referindo-se ao seu estilo musical, como também à produção de sua grande amiga Violeta Parra, Víctor sabia o papel político, mas, sobretudo humanizador que seu trabalho cumpria:

  
“As canções mobilizadoras ajudam em um momento, canções que cantam o povo (...). Mas existe outro tipo de canção, aquela que fica na alma do povo, e nisso Violeta era artista popular por excelência, porque ela não fazia canção mobilizadora no sentido contingente, mas sim a canção autenticamente popular e revolucionária, aquela que movimenta os sentimentos do Homem, que promove seu estado de consciência, onde ele descubra a si mesmo e seus semelhantes”. (Entrevista concedida ao radialista peruano Nicomedes Santa Cruz, na cidade de Lima-Peru, 1970)


Chile 1970: Do Homo Sentimentalis ao Homo Politicus

Entre o final dos anos de 1960 e início da década de 1970, ganhou força na América Latina, a teoria da dependência, cuja principal afirmação era que nos países periféricos, o subdesenvolvimento é um estado do capitalismo e não uma fase. Dessa maneira, nessas regiões o capitalismo deveria ser substituído pelo socialismo. 

A teoria da dependência influenciou profundamente a esquerda chilena e consequentemente o programa da Unidade Popular, no qual o centro não estava na distribuição de riquezas, senão na socialização da produção dela. Entretanto, a via escolhida pela Unidade Popular foram nacionalizações e reformas estruturais por dentro das instituições do próprio Estado.

Convictos que a mediação entre os sonhos do gênero humano e a realidade, não é outra coisa senão as ações dos próprios homens e mulheres, os artistas da Nueva Canción Chilena como Ángel e Isabel Parra, Patricio Manns, Rolando Alarcón e Víctor Jara ligaram-se organicamente ao projeto político da “via chilena ao socialismo” defendida por Salvador Allende. A própria campanha da Unidade Popular foi pautada em muitos elementos já então defendidos pela Nueva Canción, como o fim das injustiças sociais e a necessidade do anti-imperialismo.

Por meio da empolgação e empenho dos intelectuais orgânicos, artistas e estudantes, a campanha da Unidade Popular, chegou aos rincões mais distantes do país e foi assimilada pelos trabalhadores pobres que adotavam as músicas da Nueva Canción como trilha sonora de suas lutas, unificando peñas e poblaciones callampa (favelas).

Coube a Víctor Jara dar voz ao clamor popular que levou Salvador Allende ao poder em setembro de 1970. Interprete da segunda versão da música “Venceremos”, de Sérgio Ortega, Jara cantou a vitória da Unidade Popular e indiretamente ‘profetizou’ a reação da direita diante dela:




“Venceremos, venceremos
Con Allende en septiembre a vencer
Venceremos, venceremos
La Unidad Popular al poder
Con la fuerza que surge del pueblo
Una patria mejor hay que hacer
A golpear todos juntos y unidos
Al poder, al poder, al poder
Si la justa victoria de Allende la
derecha quisera ignorar
todo el pueblo resuelto y valiente como
un hombre se lenvantará"



        O entusiasmo com o projeto popular que ascendia no Chile permaneceu depois da vitória de Allende, em 4 de abril de 1970. Para os setores dos círculos culturais de esquerda tratava-se agora de estabelecer um diálogo com a juventude e os trabalhadores para consolidar os rumos de uma nova sociedade e lutar contra as forças reacionárias em curso.

Os três anos que seguiram depois da vitória da Unidade Popular foram caracterizados pelo acirramento da luta de classes. Tal como mostra brilhantemente o filme Chove sobre Santiago, do diretor Helvio Soto, a burguesia chilena, com o apoio da CIA e das ditaduras então implementadas no Cone Sul, orquestradamente tomou medidas de desestabilização política e econômica contra o governo Allende, entre as quais, o estocamento de mercadorias desencadeando o sumiço de produtos básicos do mercado.

Com o prelúdio do golpe cada vez mais forte, Victor e Pablo Neruda conclamaram, por meio da TV, a população contra o fascismo. Pouco tempo depois, em 11 de setembro de 1973, o general Augusto Pinochet, nomeado pelo próprio Allende para o comando das forças armadas, deu o golpe de Estado e iniciou uma verdadeira caçada aos militantes de esquerda.


Um dia depois que as tortura, mortes e perseguições entrariam para a história recente do Chile, a própria história de Victor se cruzaria com o contexto de seu país. Os versos da canção Venceremos que embalou toda a campanha de Allende se concretizou. Contra o fascismo golpista, os trabalhadores e a juventude chilena se levantaram. Entretanto, o verbo vencer conjugado em 3ª pessoa do singular não se fez carne; a via chilena ao socialismo em pouco tempo foi destruída e as vozes que a anunciaram foram literalmente silenciadas. 


Preso na Universidade Técnica do Estado (UTE), juntamente com centenas de professores, estudantes e funcionários, Víctor Jara seria levado para o Estádio do Chile, o mesmo estádio em que ele  havia ganhado o festival da Nueva Canción em 1969, e que agora servia de campo de concentração para ele e para mais de cinco mil pessoas. Ali, Jara seria torturado, tendo suas mãos esmagadas por coronhadas e morto cinco dias depois com quarenta e quatro tiros.

Somente 23 anos depois do assassinato de Víctor, o Estado chileno reconheceu sua morte como crime da ditadura e no ano de 2003 o Estádio Chile foi rebatizado como Estádio Víctor Jara em sua homenagem. Entretanto, antes do reconhecimento oficial do Estado sobre sua morte, sua vida já estava eternizada por sua voz e sua luta. Afinal, como o próprio Víctor cantou: “(...) canto que ha sido valiente siempre será canción nueva”.  Víctor Jara Presente ! 




[1] Pedagoga, formada pela Universidade Estadual Paulista – UNESP e Mestre em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo - PROLAM/USP. 

terça-feira, 6 de setembro de 2016

O caráter das demissões industriais no ABC - Impressões iniciais

Gisele Costa[1]

Hoje (07/09) os operários da Mercedes-Benz se reunirão em assembleia na porta da fábrica. Uma vez mais, a multinacional alemã insiste na demissão de mais de mil trabalhadores diretamente ligados à produção.

Mais uma vez, a direção do Sindicato dos Metalúrgicos buscará um consenso entre personagens antagônicos como alternativa ao conflito inevitável. Fato esse que expressa não apenas o seu caráter burocrático, mas os limites da formação sindical em um país subdesenvolvido. Entretanto, as determinações objetivas das demissões operárias não podem ser compreendidas pelas rotineiras análises sindicais e economicistas. O que o capital enquanto força social prepara desde o ABC Paulista, é mais profundo.

Metido em uma crise de duração histórica e consequências imprevisíveis, o capital prepara uma nova reestruturação produtiva, na qual tudo indica que a produção fabril brasileira e latino-americana ganhará outro caráter, já em curso.

Com a entrada da China na divisão internacional do trabalho, a industrialização na América Latina tende a perder força nas grandes áreas urbanas e fortalecer-se nas cidades médias, cuja economia está voltada para a cadeia produtiva do agronegócio e do extrativismo. Em outras palavras, mais do que nunca a industrialização estará a serviço do setor primário-exportador, em um novo ciclo de primarização da região. 

A consequência principal é o aprofundamento da dependência frente ao imperialismo, e nesse contexto de dimensões históricas, o desemprego industrial no ABC é o ponto de partida. De modo que aqueles que compreendem a libertação nacional como tarefa dos socialistas, devem assimilar que a luta contra o desemprego, é antes a luta contra a recolonização imposta pelos países centrais e por seus cúmplices autóctones.







[1] Mestre em Integração da América Latina pelo PROLAM/USP e colaboradora do site www.lamericas.org

sábado, 25 de junho de 2016

Sim, é preciso reafirmar a esquerda revolucionária e ela não é academicista! Ela é partidária !


Jean Menezes[1]
 Oeste – Paraná.


É necessário iniciar limpando o terreno. Por esquerda revolucionária entendemos aquelas organizações e seus militantes que lutam pelo socialismo, que defendem a revolução, o fim da propriedade privada e do assalariamento, que não aceitam o “mal menor”, e que não capitulam ao neoreformismo e a conciliação de classes. Por academicista, os intelectuais que acreditam que suas pesquisas, livros e artigos mudarão o mundo, ou mesmo que suas aulas são o caminho para a verdade libertadora. Referimos-nos especificamente aos intelectuais que se auto intitulam “marxistas”. Que acreditam que a sua sala de aula é o partido e que suas intervenções são o programa revolucionário in natura. Não queremos com esta definição negar a produção acadêmica, reconhecemos a sua importância na luta de classes! Todavia desejamos chamar atenção para os limites desse personagem histórico. Por partidário nos referimos ao partido centralizado democraticamente, que tenha por método o centralismo democrático. Evidentemente não entra aqui o autonomismo, o coletivismo e o pluralismo metodológico. Esperamos com isso ter limpado boa parte do terreno.
Constantemente observamos o debate sobre a necessidade da esquerda se reinventar, como se esse vasto campo do que se constitui como esquerda fosse um produto de alguma marca, no caso aqui a marca academicista. Essa necessidade de constantemente reinventar o novo é uma forma retalhada e nada criativa de se colocar o velho com novos adereços plásticos.
O reformismo no século XIX já colocava a necessidade de se “reinventar” diante da situação e no caso se tratava de fraudar a perspectiva marxiana em nome do partido alemão em hegemônico campo de capitulação à estratégia revolucionária. Contra isso se levantou a fundação da III Internacional e manteve-se quando da fundação da IV Internacional com León  Trotsky.
Muitos militantes capitulam ao movimentismo, chegando até mesmo a negarem o partido como ferramenta política fundamental para a organização da classe. Muitos até mesmo afirmando a superação desta ferramenta, diante de uma suposta obsolescência do centralismo democrático para os dias de hoje. Não concordamos com nada disso e defendemos que tais considerações é a verdadeira ruptura com a construção do processo revolucionário em nosso tempo presente.
Se a forma de resistência organizada em partido está realmente superada, há algo de míope em parte destas perspectivas de organização autonomistas, principalmente por parte dos marxólogos[2].
Defendemos a tese de que, não, os partidos não estão superados, bem longe disso, continuam sendo até mesmo uma das formas fenomênicas de dominação das classes em pleno exercício do mando naturalizador das coisas. A burguesia a exemplo do que falamos, não abre mão do Estado e seus partidos há séculos. Não se trata também de postular a defesa da superação desse estado de coisas apenas via partido, apenas via eleitoral, apenas via o formalismo do Estado! Trata-se aqui de postular um tipo de organização (atenção ao artigo indefinido) altamente eficiente na luta cotidiana da classe trabalhadora e não de um salto revolucionário via Estado como forma suprema da superação! Isso já “bem” fizera a social-democracia alemã e hoje os marxólogos autonomistas, em maioria neoreformistas! Então, de que partido falamos?
Pensamos que a caracterização do partido ideal aqui não ajudaria muito na tarefa de apresentar algumas palavras sobre a questão da organização política dos trabalhadores. Mas, princípios elementares são inevitáveis, mesmo não existindo nenhuma fórmula mágica como postulam muitos sectários ao lado dos marxólogos neoreformista.
Há que se considerar a “forma” partido como um instrumento de luta da classe trabalhadora durante mais de um século. É verdade que esta forma é plural e metodologicamente diversa. Então, mais uma vez, de que partido falamos? Referimos-nos ao partido concreto, real, socialmente existente (o que demanda pensarmos outra série de desafios). Não nos referimos aqui a um partido único de figuras seletas e altamente esclarecidas do caminho a seguirem, isso o judaísmo/cristianismo já se encarregou de fazer há milênios! Mas tampouco a um partido que tenha medo de se colocar diante da classe com perspectiva revolucionaria e que prefira capitular ao neo reformismo, mantendo-se em sua zona de conforto de classe média. Não.
Em nosso tempo presente pode-se observar com facilidade um conjunto de intelectuais acadêmicos que reprovam a luta de parte de seus alunos, até mesmo considerando inexistente a greve de estudantes e promovendo a cafetinagem acadêmica. Esse conjunto também nos oferece um espetáculo de paradoxos que até mesmo um físico seria incapaz de cogitar.
São estes mesmos intelectuais que preferem falar por si mesmos, ignorando, muitas vezes, as próprias organizações que fazem parte, tudo em nome do individualismo. Um comportamento que deixaria até mesmo John Locke orgulhoso. Entretanto, a anomalia deste buraco de minhoca não para por aqui, pois é necessária lembrar que esse intelectual academicista se apresenta como marxista para suas ovelhas e demais interlocutores. Nada mais radicalmente distante da tradição revolucionária, pois se afastam da classe, restando uma mera representação do que seria a classe operária. A anomalia se transforma em uma espécie de novo Dorian Gray, incapaz de ver para além de si mesmo e seus seguidores de redes sociais.
É necessário continuar a reafirmar o partido revolucionário, sim, é preciso reafirmar a construção do partido revolucionário, não a sua reinvenção. É preciso combater a falácia da classe média esclarecida de que a esquerda precisa se reinventar, pois essa tal reinvenção é a mísera adaptação à ordem formal, bem aos moldes daquilo que mais se preocupam os academicista: relatórios, o currículo e status quo diante da sua torre de marfim. A questão é que existe vida para além do currículo lattes, para além dos relatórios, para além das citações idealistas deste pseudo marxismo.
Distante de tudo isso, Marx pensava o partido como o próprio movimento da classe trabalhadora, um partido internacional, com varias seções nos mais diversos países. A estrutura de partido que conhecemos hoje se distancia daquela que Marx e Engels vivenciavam, para eles o partido era a própria Internacional, o próprio movimento dos trabalhadores em luta organizada de resistência ao capital.
Lênin, diante do seu tempo vivenciara outra forma de manifestação do partido. Há no tempo presente de Lenin a existência de um conjunto de partidos que se reivindicam representar a classe trabalhadora; há uma diversidade que não era marcante na segunda metade do século XIX. Há uma organização sindical que Marx jamais pode observar. Está posto para Lenin o desafio de polemizar com a burocracia sindical de seu tempo, e, a forma partido, centralizado pela base é o que se coloca para este momento histórico (e aqui guardando sintonia com o partido organizado por trabalhadores nos meados da segunda metade do século XIX).
E é justamente neste ponto que os neoreformistas academicistas  sapateiam, fazem birra, e escrevem textões! Não conseguem entender o centralismo democrático, pois estão presos à cela da sua visão de mundo republicana e democrático-burguesa. Quando contraditos pela maioria de uma organização partidária apelam para o ataque retórico do autoritarismo... acusando os centralistas democráticos de centralizadores autoritários. Normalmente este comportamento é a pura expressão de seu oportunismo de classe média intelectualizada que a se ver contrariada, passa a se utilizar de todos os recursos, até mesmo imorais, para fazer valer a sua proposta em clara derrota diante da maioria da organização. Vale tudo, de envenenar os seus seguidores a chorar em plenárias! Um absurdo vergonhoso.
Trotsky, por volta de 1928, já problematizava a organização partidária alertando sobre a necessidade de encarar os desafios construídos historicamente:
[…] de um partido proletário vivo, e ativo, através de comunistas avançados, pioneiros e construtores de socialismo […] o partido deve ser capaz de sentir isso através de seus inúmeros tentáculos e soar o alarme. Mas para tudo isso, o partido por inteiro deve ser sensível e flexível e acima de tudo não deve ter medo de ver, entender e falar (Trotsky, 2010, p. 78).

Escrevemos sobre a necessidade de uma organização unificada com lutadores e lutadoras preocupados em avançar na luta e na organização diante do capital. Uma organização real, composta pelos mais diversos setores em luta e que não estão dispostos a rebaixar seus princípios em nome do “mal menor”. Um partido que seja capaz de congregar a diversidade da classe diante do debate democrático (que jamais será harmônico e linear), que seja capaz de errar e buscar a superação dos erros. Uma organização que dialogue de forma firme com os movimentos sociais e todos os setores também organizados sob outras formas. Veja, este partido tem que considerar o plano real, pois do contrário reproduziria as formas utópicas, ainda longe de serem superadas na história da luta de classes  e tão defendida pelo neoreformismo.
Não dialogar com os mais diversos setores de trabalhadores em luta significa assinar a sua própria carta de marginalização. Há que se considerar que não é uma legenda que guiará a classe, mas a classe que guiará e congregará as diversas legendas. Então se trata de alianças? Sim. Mas não do tipo de alianças que a democracia capitalista propõe, não o rebaixamento que o academicista neoreformista propõe.
Não se trata de unidade que postule a conciliação de classes. Não se trata de unidade com o oponente, mas de unidade entre os lutadores que só podem ser identificados no processo de luta, não apenas pelo que postulam formalmente em seus documentos e discursos oportunistas. Escrevemos de um partido em permanente construção, inacabado por excelência, mas não desorganizado, esparramado ao deleite do neoreformismo ! Não exemplificarei aqui, pois não há formulas prontas à serem aplicadas em determinados momentos históricos, mas há momentos históricos que nos exigem conteúdo, substância para forjamos constantemente esta organização e certamente vivemos em um momento destes! Cabe aqui a reafirmação do partido revolucionário, não a sua reinvenção!
Certamente há experiências históricas, mas são experiências históricas, não modelos a serem aplicados ao bel prazer do idealismo romântico. Marx ao apresentar o programa do partido internacional dos trabalhadores no século XIX, se referia à historicidade dos desafios de organização, distanciando-se de receituários pré-formulados: “A história de toda sociedade até nossos dias moveu-se em antagonismos de classes, antagonismos que se tem revestido de formas diferentes nas diferentes épocas” (Marx & Engels, 2005, p. 57).
O leitor deve ter notado a esta altura que escrevemos de algo que apresenta elevado grau de complexidade, e isso não deve ser confundido com alto grau de utopismo. Referimos-nos a uma necessidade imperiosa daqueles que vivem da venda da força de trabalho todos os dias; de LGBT, que ao nascerem até morrerem deverão produzir e reproduzir riqueza para terceiros se realizarem e não a si mesmos! Escrevemos de algo concreto, factível e de uma necessidade, mais uma vez: imperiosa para realmente vivenciarmos a história e não a pré-história da humanidade onde a regência da vida é deliberada pelo capital em detrimento do homem. Capitular ao neoreformismo academicista é retroagir, é trair a classe que se diz defender.
E, se a esta altura, a forma do texto tiver provocado certo mal estar em nossos interlocutores, devemos advertir que esta forma fica por aqui, embora não exista uma só linha que não esteja ligada ao nosso próprio tempo presente, é verdade, distante de Marx por mais de um século, mas impossível de ser ignorado. Estas palavras, aqui, possuem a pretensão de dialogar criticamente com aqueles que ainda deitam suavemente em suas camas quentes ignorando o inverno constante que estão submetidos os trabalhadores que tudo produzem! É necessário reafirmar o partido revolucionário e colocar a classe em movimento, não reinventar falaciosamente, mas reafirmar o programa revolucionário, já!
Referências:
TROTSKY, Leon. Stálin, o grande organizador de derrotas: a III Internacional depois de Lenin. São Paulo: Editora Instituto José Luis e Rosa Sundermann, 2010.
MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. Manifesto Comunista. Trad. Álvaro Pinha. 4 reimpressão. São Paulo: Boitempo Editorial, 2005.






[1] Militante da Liga Internacional dos Trabalhadores – LIT QI – seção brasileira PSTU
[2] Aqui se trata daquele que apenas estuda Marx, sem nenhum compromisso de transformação da realidade social, ignorando os limites que essa postura acarreta diante da proposta ontológica do próprio Marx.

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Governo Dilma tem as mãos sujas de sangue Guarani-Kaiowá

A histórica luta dos povos originários no Brasil ganhou um novo episódio nos últimos dias. Na região do município Antônio João (MS), sufocado pelo latifúndio que há séculos rouba as terras indígenas, o povo guarani-kaiowa redobrou suas forças e deu início a maior retomada de território dos últimos anos. Como resposta, os fazendeiros (ladrões de terras), não hesitaram em assassinar lideranças guarani-kaiowas, além de abrir fogo contra crianças, mulheres e homens que defendem a terra de seus ancestrais com arcos, flechas e pedaços de paus.

Em 2011 a situação do povo guarani-kaiowa já mostra fortes sinais de agravamento, quando o agronegócio cercou por todos os lados essa comunidade, por meio de atos criminosos como assassinatos de jovens e crianças, até encurralar os demais indígenas, os levando a desesperadora proposta de suicídio coletivo. De lá prá cá, a condição de sobrevivência desse povo e de outros povos originários só se degradaram, por meio da conveniência do Estado com as ações dos ruralistas.
De acordo com o relatório, produzido pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI), somente em 2014 o número de suicídio entre indígenas foi de 135, maior número nos últimos 29 anos, sendo que a maior ocorrência ocorreu entre os guarani-kaiowás – 48 suicídios.  Ainda segundo o relatório, essa situação é seguida pelo aumento de invasão e exploração ilegal em terras indígenas, que saltou de 36 casos em 2013, para 84 casos em 2014. 
Desse modo, por trás do que a mídia tradicional, capitalista e oligárquica chama de “confronto”, está o resultado da articulação do Estado brasileiro, sob o comando do Governo Dilma (PT/PMDB) com o setor do agronegócio, representado pela chamada “bancada do boi”. 





Além de congelar qualquer tímida iniciativa de reforma agrária, a promiscuidade entre o governo petista, sua oposição de direita e os latifundiários, passa também por três objetivos que diretamente atingem os povos originários: impedir o reconhecimento e a demarcação das terras tradicionais que seguem invadidas por não indígenas; reabrir todos os procedimentos de regiões já demarcadas e, flexibilizar órgãos e leis que permitam os senhores e senhoras do agronegócio invadir, explorar e mercantilizar da terra já demarcadas e sob posse dos povos originários.
Alinhado claramente com os ruralistas, tal como demonstra a presença da “miss motosserra” Kátia Abreu no Ministério da Agricultura, o Governo Dilma lidera o pacto do latifúndio contra os povos indígenas. Não por acaso, em 2013 Dilma assinou o decreto 7.967 que permite que a Força de Segurança Nacional combata povos e comunidades que resistam à implementação de “empreendimentos” em seus territórios. É evidente que tal decreto atingiu e atinge diretamente às comunidades indígenas e quilombolas e, descaradamente favorece as mineradoras, os ruralistas e os grandes consórcios ligados a construção civil.
A postura vil do Governo Dilma é seguida também pelos seus aliados na Câmara Federal e também pela oposição de direita. O Projeto de Lei 1610/1996, cujo objetivo é permitir que as grandes empresas privadas explorem recursos minerais em territórios demarcados como indígenas é proposto pelo partido da base aliada do governo petista, PMDB e tem forte apoio do PSDB de Aécio Neves, DEM e outros partidos canalhas. Situação idêntica com o Projeto de Lei nº 215/2000 encaminhado pelo PP, que prevê poder para o Congresso demarcar e rever as terras indígenas já demarcadas. É importante ressaltar que tais projetos vão ao encontro da Portaria Interministerial nº 60/2015 de Dilma, que permite a FUNAI compactuar com o impacto de atividades capitalistas em terras sob posse dos povos indígenas.  

Defender os povos indígenas contra Dilma, a oposição de direita e os capitalistas

No próximo dia 18 de setembro, diversas organizações dos trabalhadores irão às ruas de São Paulo – maior cidade do país contra o ajuste de Dilma e as armadilhas da oposição burguesa que tenta aplicar de forma explícita o mesmo plano de governo que retira direitos trabalhistas, aumenta a inflação e gera desemprego. É de fundamental importância, que nesse dia e no calendário de luta da oposição de esquerda, sejam incorporadas as reivindicações dos povos indígenas, tais como revogação e extinção do decreto nº 7.967/2013, da portaria nº 60/2015; retirada dos projetos de lei 1610/1996 e 215/2000; exigir o fim de toda e qualquer violência contra a população indígena, bem como o fim das invasões latifundiárias em seus territórios.
Nesse sentido, é relevante também que os movimentos populares e sociais que ainda não se somaram à convocação ato, o faça o mais rápido possível. Afinal, na história do Brasil, todos têm sangue indígena, bem como sangue africano: os pobres nas veias e os ricos nas mãos. É preciso então que alguns setores de esquerda, “desçam do muro” e se definam entre defender o governo do PT que abraça o latifúndio ou defender os povos originários e quilombolas que são vergonhosamente atacados pelos ruralistas, mineradores e agroindústrias sob o aval petista.